Os carretos de Xiau Lee

[atsimoes]

Os carretos de Xiau lee
 
Sao 4 da manha,num inverno seco de dezembro, o vento leste é frio e
cortante,fere-me as mãos  e o rosto. Mesmo assim, não desisto, ponho-me
a caminho, a areia está lisa e não há vestigios de pegadas ou o
arrastar de um peixe de alguem.
Nas mãos acaricio a manivela de pinho, o corpo do carreto,torneado, de
um azul magenta, com um trabalhar silencioso, feito numa nova zona
industrial, do sul da China,.              Onde outrora existiu um lago, onde
outrora o Avô de Xiau Lee, pescava carpas de cores e escolhia as mais
bonitas para o seu pequeno lago das traseiras do seu quintal. ..
Vou-lhe chamar Xiau lee, porque o seu nome não importa, importa que
agora estou a corricar e penso nela, penso que os seus pequenos olhos
de amendoa,se habituaram á minucia e rapidez, de encaixar todas estas
peças, de este carreto que possuo,não importa a marca, porque á pequena chinesa
não lhe pedem para pensar e lhe pagam o seu ordenado mensal
de doze euros para refletir que eu agora pesco robalos, num outro lado
do Planeta,numa praia deserta algures num sitio de que nunca ouviu falar. ..A sua maior ambição, será trabalhar doze horas, e subir a chefe de              
linha de produção e poder ganhar um ordenado de 90 euros mensais.
Xiau Lee, é jovem, mora num quarto com mais 6 colegas, e tem uma
semana de férias por ano. Está quase a acabar o meu carreto,e está
feliz, este ano poderá oferecer uma nova cana de pesca para o seu Avô,
que quase já não vê, não anda, mas é o seu ultimo desejo.
Amanhece, não pesquei robalos hoje, solto o carreto do encaixe da
cana, passo-lhe um pouco de oleo, e envolvo-o num pano que Xiau lee
delicadamente me colocou na caixa. ..
Adeus, minha querida,talvez o guarde de recordação, não o deite fora,
e me lembre de tí.
Porque agora chegou a vez de comprar um feito algures no Japão, dizem ,
uma maquina, mas não será tão belo quanto o teu. ..

[Canudo]

Boas companheiro Simoes,
Li tres vezes pra ver se entendia na integra a mensagem no seu escrito,ou as inumeras...
Podemos dar-lhe variadissimas interpretaçoes,mas acho que entendi algum das mensagens que tenta transmitir e suas consequentes reflexoes, que todos deveriamos de fazer,ou pelo menos pensar um pouco nisso,que foi o meu caso.
Como de costume,deixou-me a pensar,"viver nao é dificil,é dificil é saber viver"...
Obrigado pela partilha
Cumprimentos
Carlos Vitor

[atsimoes]

Boas Carlos Vitor,

Sim,, de fato este conto da pequena chinesa, surge em timmings adequados á época.
Eu corricava com um carreto chinês em 2005 , era muito bonito, mas vi logo que não dava para muito mais, e aí a pescar pensei em que condições a pequena Xiau Lee o frabricava para que hoje a China seja o Grande Dragão. Foi um periodo em que a importação dos texteis e toda a juncalha foi liberada por Bruxelas e antecedeu a crise do vale do Ave nos texteis até ao caos de 2008 financeiro e o n/empobrecimento..
Estas eram as condições de trabalho de uma rapariga chinesa .Só para criarem fabricas de soutiens das marcas topo do mundo, triumph, Zara Women, etc criaram uma cidade artificial para albergarem 180000 chinesas para produzir a custos baixos soutiens de alta qualidade para serem vendidos a altos preços na Europa.

Para mim naquele dia foi a despedida do amor platonico de uma pequena chinesa de olhos de amendoa que jamais conheci, que fabricava carretos de baixa qualidade em condições desumanas e o seu unico sonho era dar de prenda uma cana de pesca para o seu avô..nada mais simples , o carreto ainda o guardo embrulhado no pano fino azul dentro do baú das minhas memorias...
Talvez fruto das minhas viagens ao Oriente , não sei...

Abraço

[Nelson Peres]

Linda História. E com «história»...

[atsimoes]

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[PedroMrDias]

É sempre um prazer ler estas historias!

[De La Hoya]

  excelente Simões