Registado: domingo ago 06, 2006 8:46 am
Mensagens: 83
Seguindo a pista de um caranguejo da muda
Observo.
Num ultimo esforço, o caranguejo separa-se da sua ultima casca,preso
num corpo estranho, que ao longo do ultimo ano, se foi apertando, cada
vez mais, tornando a sua vida insuportavel, dentro daquele espaço
claustrófobico, irrespiravel.
Agora finalmente estava livre, sacode num ultimo desprendimento,
aquele corpo inerte,da sua ultima existencia, recupera por segundos,
absorvendo a luz que o rodeia, sentindo a agua tépida da pequena poça
onde se encontra, levitando sob a leveza de um limo enquanto procura
um refugio.
Rapidamente tapa-se com uma areia fina, esperando pelo aproximar da
maré que enche, trazendo a agua fria que lhe endurecerá aquela pele
tão fina,como borracha, cor de verde alface.
Está indefeso agora,por horas, pela sua incapacidade de gerir esta
vulnerabilidade perante os perigos que se avizinham...
Um robalo que sente a sua presença,um polvo astuto que vasculha cada
canto, um sargo que devora tudo com os seus dentes aguçados, ou um
sorumbático congro, que passeia por perto...
Um pisteiro do caranguejo da muda ou de dois cascos,segue um código de
conduta.Por cada caranguejo da muda apanhado deve deixar o seu casco
voltado para cima,fora da poça,levantando o limo para cima deixando um
sinal ao pisteiro que o procede.
Desta maneira evitará falsas pistas, incógnitas,procura de indicios
onde errou....Por volta do meio-dia é a hora de um pisteiro procurar,o
sol está no seu máximo,a temperatura da poça está no seu melhor, e a
natureza se encarregará de fazer saber ao caranguejo que está na hora...
Um pisteiro nunca procura caranguejo em poças sem areia,..Por cada
fêmea macheada(acto de o macho por questões territoriais cobrir a
femea estando mudada ou mantendo os dois cascos ainda), não há outra
na mesma poça..
Deve levar na sua mão uma gancheta curvada, deve pacientemente olhar
para a areia e descobrir indicios que o casco esta na sua posição
normal, e verificar onde se enterrou a seguir.
São horas mortas e desoladas pela salinidade que fica estagnada na hora do estio que chega. Limpo o suor que escorre da nuca e almejo uma poça fresca de agua que já sobe molhando os cabelos grisalhos das marés da minha muda de vida constante.
Um maçarico que pousa ao de leve solta o pio da tarde que chega, está na hora de regressar, seguindo o trilho da pista descoberta é a hora dos pisteiros se juntarem em grupo no caminho do areal que torra em lufadas quentes quebrando sob as botas que esmagam o limo da maré do amanhecer.
Continuarei por aqui escrevendo sobre a mudança das nossas vidas,, sobre a mudança do tempo, sobra as mudas das nossas vidas, como o caranguejo que afinal não muda por fora somente mas por dentro também..
António Simões