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Autor Tópico: Historia do achigã parte 3  (Lida 1488 vezes)

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Offline Marco Santos

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Historia do achigã parte 3
« em: 23:54 Quarta, 16 de Julho de 2014 »
Heterossexual, promíscuo e agressivo

A reprodução do achigã reveste-se de uma importância inigualável na sua vida.
Sem predadores que não sejam os pescadores, a existência de um achigã adulto reduz-se à luta diária pela alimentação e ao esforço anual para fazer crescer a sua prole.

Vamos analisar algumas facetas deste importante acontecimento - Um dos principais na vida do Micropterus Salmoides. Um achigã adulto não tem que se proteger, nas albufeiras portuguesas, de outros predadores (excluindo os pescadores naturalmente), pelo que as actividades alimentar e reprodutiva são as duas actividades chave da sua existência. Após chegarem á idade Fértil (aliás, mais correctamente, ao tamanho fértil, já que a chegada à fase adulta está mais dependente do tamanho que da idade) os achigãs estão prontos a procriarem.
Os achigãs são heterossexuais, apesar de se terem já capturado indivíduos com tecido ovárico e testicular nas suas gónadas.

Os exemplares com mais de 35cm podem ser sexados com alguma precisão através da análise do orifício urogenital, que apresenta uma forma circular nos machos e elíptica ou em forma de pêra nas fêmeas (a partir de agora atenção aos orifícios urogenitais dos exemplares que pescarem). Com dissecação, as gónadas dos dois sexos são facilmente diferenciáveis. Os ovários das fêmeas são dois, alongados e de secção quase circular, podendo pesar, quando estão prestes a desovar, 10 por cento do peso total (ou seja, uma fêmea de dois quilos pode ter umas ovas de 200 gramas).

Tamanho mínimo para a reprodução

São referidos como tamanhos mínimos a partir dos quais os achigãs se podem reproduzir os 25cm para as fêmeas e os 22 para os machos. Como se referiu na análise que se fez dos crescimentos um achigã pode ter este tamanho, e portanto reproduzir-se pela primeira vez, logo durante o primeiro ano de vida (por exemplo se viver nos trópicos), no segundo (nas albufeiras do Sul de Portugal), no terceiro (nas albufeiras do Centro e do Norte do nosso pais) ou até no quarto e quinto (no Norte dos EUA e Canadá). No entanto, a fecundidade das fêmeas mais velhas é superior à das mais jovens, pelo que a importância dos maiores exemplares na produção de juvenis num determinado ano/albufeira é maior.


Factores desencadeadores da postura

O achigã inicia o período reprodutivo, nas zonas temperadas, entre o fim do Inverno e o princípio da Primavera. O principal factor desencadeador da reprodução é a temperatura da água, como acontece, aliás, para o crescimento. Por estas e por outras razões é importante, para um Achiganista que se preze, possuir um termómetro (associado ou não a uma sonda) que lhe permita, durante uma pescaria, obter valores da temperatura da água.

Desta forma, e cruzando esta informação com outras (por exemplo o mês do ano, zona de Portugal, cor da água, tipo de estrutura e cobertura presente, declive das margens, entre outras), poderá ser mais eficiente na sua selecção de amostras, zonas a pescar, técnicas de trabalhar as amostras, etc. Como valor indicativo direi que, na Primavera, quando se atingem temperaturas de 15 a 24º C a reprodução pode-se dar. Todavia, outros factores contribuem para este fenómeno, como por exemplo, o comprimento dos dias, que aumentam nesta altura do ano.

Tipo de postura

As carpas espalham os seus ovos sobre vegetação e outros objectos submersos, as trutas e salmões enterram os seus ovos em zonas de gravilha onde a água circula, enquanto alguns peixes carregam os ovos na boca. Os achigãs pertencem ao grupo de peixes que constrói "ninhos" (nos quais se inclui também a perca sol). Estes ninhos não são mais que depressões criadas pelo achigã na zona de postura.
Durante a preparação do acasalamento o macho escolhe um local para fazer o ninho, geralmente em água pouco profunda (entre 30cm e 1,30m).

Embora os ninhos possam ser feitos em qualquer sítio de uma albufeira, são geralmente escolhidas zonas protegidas dos ventos dominantes; sendo muitas vezes realizados próximos de áreas que ofereçam protecção com rochas, troncos de árvores, etc. Numa albufeira as margens expostas a sul e mais protegidas do vento aquecerão mais depressa iniciando aí o achigã o acasalamento mais cedo. Os ninhos estão geralmente separados por dois ou mais metros, a não ser que uma obstrução impeça que os machos de dois ninhos mais próximos se vejam. Durante a construção do ninho o macho coloca a sua cabeça no centro e com movimentos vigorosos afasta os detritos à sua frente.



Depois, com a cabeça outra vez no centro, roda à volta desta zona, dando ao ninho uma forma circular (que fica assim com um diâmetro Igual a duas vezes o comprimento do macho). O macho pode depois realizar limpezas regulares no ninho que construiu afastando materiais com a sua boca ou com movimentos de água gerados pelos opérculos.

Geralmente a postura da fêmea no ninho dá-se durante a madrugada ou o anoitecer. Apesar de se ouvir de pescadores portugueses a afirmação de que o acasalamento do achigã se realizará durante noites de lua cheia, não se consegue encontrar na literatura científica confirmação deste facto. É possível que nestas noites, devido à maior luminosidade existente, os achigãs consigam utilizar a visão mais eficientemente que noutras noites para procurar um parceiro e realizar o acasalamento.

O macho, depois de ter construído o ninho, parte nervosamente à procura de fêmeas receptivas. Ao conseguir convencer uma a acompanhá-lo até ao ninho, estimula-a por contacto físico a pôr os seus ovos.

Ambos os peixes sofrem mudanças de cores muito vivas. Durante o acasalamento o par nada sobre o ninho com os seus ventres em contacto, sendo os ovos e o sémen emitidos com movimentos espasmódicos. Um período de repouso segue-se, repetindo-se depois todo este processo várias vezes (até seis). A postura termina, quando a fêmea se retira, e o macho fica entregue à tarefa de cuidar dos ovos. Um macho pode atrair mais do que uma fêmea para o seu ninho e uma fêmea pode igualmente realizar a postura em ninhos de vários machos (é por isso que se refere esta espécie em relação ao acasalamento como promíscua). São referidos ninhos com posturas de sucesso com de 5000 a 40000 ovos. Os ovos, após serem fertilizados descem para o fundo e aderem ao substrato. Um ovo fertilizado é esférico, amarelo alaranjado e tem de 1,4 a 1,8mm de diâmetro.

Alimentação durante a reprodução

O macho não se alimenta enquanto guarda o ninho, tarefa que se pode prolongar por várias semanas após os ovos eclodirem. Porém, a sua agressividade fá-lo abocanhar um peixe, lagostim ou amostra que se movimente nas proximidades do ninho. É por este facto e por a população adulta se encontrar próximo da margem durante a reprodução que a pesca nesta altura pode ser muito efectiva. Daí a razão do defeso reprodutivo para a espécie.



Gestão

Actualmente em Portugal encontra-se definido um período de defeso para o achigã que, teoricamente, deveria abarcar o período reprodutivo da espécie. Cada albufeira, nas suas variadas vertentes, deve ser gerida individualmente. Para a reprodução a mesma teoria de base é naturalmente defensável, já que, como se refere em cima, as épocas de postura e a sua duração são variáveis ao longo do nosso país. Em Portugal é necessário definir com precisão as épocas reprodutivas e a sua duração, pelo menos em algumas albufeiras tipo do Centro e Sul. Apenas com base nestes dados se poderão, caso se julgue necessário, definir períodos de defeso que protejam a espécie nesta fase crítica.

Sem querer entrar em polémicas, já que alguns pescadores desportivos, mostram opiniões contrárias à existência do defeso, enquanto outros se "bateram" pela sua implementação, poderemos dizer, com base em trabalhos americanos, que, se os peixes pescados durante o defeso forem integralmente largados na zona de captura, voltarão para os ninhos e completarão a sua reprodução sem prejuízos para a produção de jovens desse ano. Ou seja, a prática real daquilo a que os americanos chamam "Catch and Release" (pesque e liberte), pode compatibilizar a pesca durante o período reprodutivo com a gestão eficiente de uma albufeira onde se considere vantajoso proteger a postura. É que, como se sabe, alguns dos maiores exemplares capturados e alguns dos períodos mais produtivos e emocionantes de pesca ocorrem durante esta época. É que esta, é uma das melhores alturas para levar iniciados à pesca e contagiá-los mais facilmente com esta actividade.


Habitat do Achigã

Falemos sobre a casa do achigã, ou seja, sobre o seu habitat. Apesar de se poder considerar o habitat global dos achigãs de uma determinada albufeira toda a massa de água, existem, geralmente, habitats mais pequenos (as divisões de uma casa) que podem ser preferidos, evitados ou, nem uma coisa nem outra. O conhecimento da utilização do espaço "albufeira" pelo achigã é obviamente vital para a sua gestão bem como para a sua pesca.

Este artigo baseia-se na descrição de um excelente estudo realizado numa albufeira americana do Arkansas, a albufeira Wedington. Este trabalho, realizado por Cynthia Annet e colegas (1996), estudou a utilização do habitat por achigãs de diversas idades (juvenis, adultos não reprodutores e adultos em postura) e durante diferentes alturas do ano, tendo utilizado como método de amostragem o mergulho.

Até à altura da realização deste estudo (1996) vários trabalhos tinham sido conduzidos acerca do uso e selecção de habitat pelo achigã em albufeiras, nomeadamente através do uso de telemetria , o que no entanto os limitou ao estudo de exemplares de dimensões grandes (> 1kg), devido à necessidade dos peixes suportarem os transmissores actualmente existentes. Além do mais, devido ao custo deste material, o número de peixes seguidos (estudados) não foi muito elevado, pelo que pode ter induzido erros na procura de comportamentos médios.
Annet e colaboradores, consideraram a albufeira em estudo (com 41 ha) dividida nos seguintes habitats (divisões):


1. troncos (com diâmetro > 15 cm) submersos em posição horizontal,

2. troncos submersos em posição vertical,

3. restos lenhosos (mato, paus, pequenos ramos),

4. acumulações de folhas,

5. vegetação aquática e

6. calhau e rocha.

Convém agora referir algo sobre a selecção de habitat. Um indivíduo (ou conjunto de indivíduos) selecciona algo (habitat, comida, etc.) se o utiliza numa proporção diferente da disponível. Se utilizar numa proporção maior está a preferir, se utilizar numa proporção menor está a evitar. Se utilizar em igual proporção demonstra indiferença.

Geralmente utilizam-se índices de selecção que básicamente determinam a diferença entre a utilização (Uti) e a disponibilidade (Dispo) de determinado factor, ou seja, Selecção (S) = Uti-Dispo.
Assim, para valores de S = 0, não há preferência, para valores de S entre 0 e um valor máximo (no nosso caso +100), pode haver preferência (tanto maior quanto mais próximo de +100), enquanto para S entre 0 e um valor mínimo (no nosso caso –100) pode haver selecção negativa. Segue-se um exemplo hipotético para clarificar a análise da selecção.

Se um achigã utilizar só habitats com vegetação submersa e a albufeira tiver 50% da sua área total ocupada com este tipo de habitat, teríamos, em termos de selecção, que: S para o habitat vegetal = 100% (ou seja a proporção do habitat vegetal utilizado pelo achigã) - 50% (o habitat vegetal disponível na albufeira) = +50. Ou seja, o achigã estaria claramente a preferir habitats com plantas aquáticas.

No quadro apresentado pode ver-se a % dos vários tipos de habitat disponíveis na albufeira de Wedington, bem como a % desses tipos utilizados pelos achigãs de diferentes idades. Note-se que a soma de todas as % dos tipos de habitat não totaliza 100%, já que algumas combinações de habitat raras ou pouco utilizadas pelo achigã não são inseridas no quadro.




Continua

Texto de cortesia de João Muiguel Costa
Não tenho medo de morrer!
Tenho medo é de chegar ao céu e não ter espaço para pescar.
 
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