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Autor Tópico: As migrações dos peixes  (Lida 2293 vezes)

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Offline LMagina

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As migrações dos peixes
« em: 16:50 Quinta, 16 de Janeiro de 2014 »
Boas!

As migrações dos peixes ainda são alvo de estudo e há muita coisa ainda por descobrir. No entanto, já se descobriu bastante, o que partilho aqui convosco. Peço, desde já, desculpa pelo tamanho deste post. :)

Definição de Migração

Migração é o termo aplicado a movimentos ou "viagens" realizados por uma espécie animal, em particular, quer ocorram numa base periódica quer ocorram uma única vez durante toda a sua vida. Dingle (1980) enunciou-o da seguinte maneira: "A migração é um comportamento especializado envolvido na deslocação de um indivíduo no espaço.".
De um modo geral, estes movimentos seguem rotas semelhantes e levam os animais de volta ao mesmo local de cada vez que ocorrem.
A periodicidade das migrações é geralmente o resultado das alterações sazonais da terra, as quais estão associadas a alterações climáticas e que resultam em alterações no crescimento e produção das plantas. Assim, o movimento migratório dos animais é devido, em grande parte, a alterações sazonais na disponibilidade de alimento, aos seus padrões de reprodução e ao grau de alteração climática do seu ambiente.
O fenómeno da migração é basicamente uma resposta comportamental a vários parâmetros ambientais; qualquer que seja o tipo de comportamento, este tem sempre como base uma alteração fisiológica. Este comportamento é iniciado por vários factores e inclui actividades como natação, alimentação, navegação, pilotagem (homing) e orientação.


Padrões de Migração

Os padrões migratórios mantêm-se ou evoluem devido ao desenvolvimento de mecanismos de orientação especializados. Estes mecanismos conferem aos peixes a capacidade para encontrar o caminho de local para local e reconhecer o seu destino final assim que o alcançam.
O padrão de migração parece estar relacionado com o das correntes:
  • Os estados jovens são levados passivamente pela corrente para a área de crescimento;
  • A migração de desova é realizada contra a corrente das áreas de alimentação para as de desova;
  • Os peixes, após a desova, retomam à área de alimentação a favor da corrente.
De um modo geral, os padrões de migração podem ser considerados da seguinte maneira:
1. Larvas, juvenis e peixes jovens
    a) Da área de desova para a área de crescimento
    b) Movimentos sazonais dentro das áreas de crescimento
    c) Abandono das áreas de crescimento
2. Peixes adultos
    a) Área de alimentação para área de desova
    b) Área de Invernia para área de desova
    c) Área de desova para área de alimentação
    d) Área de alimentação para área de desova
    e) Área de desova para área de invernia
    f) Área de invernia para área de alimentação

Os padrões de migração estão estreitamente associados com a produtividade das águas. Os atuns, por exemplo, fazem viagens transatlânticas e transpacíficas, todos os anos, seguindo as alterações nos padrões de produtividade da superfície das águas. Algumas espécies desovam em áreas nas quais os ovos e larvas são levados pelas correntes e se associam à comunidade planctónica.
Os padrões migratórios estão orientados de maneira a que a época de alimentação coincida com áreas de elevada produtividade ou pelo menos com um taxa de produtividade razoável, capaz de satisfazer as necessidades das espécies migradoras. Existem, ainda, outros tipos de padrões de migração específicos a certas espécies anadrómicas, catadrómicas e oceanodrómicas.

Peixes anadrómicos
Estes peixes vivem no mar, mas migram para água doce para se reproduzir. A sua adaptação às condições dos diferentes habitats são precisas, particularmente no que diz respeito à salinidade.   Como exemplo, temos o Salmão (Salmo, Oncorhynchus) que desova em águas doces e frias de lagos, ribeiros ou rios. Os ovos são postos sobre fundos gravilhosos e após a eclosão, os jovens mantêm-se em água doce durante dois ou três anos, chegando, por vezes aos seis anos, consoante a espécie. O salmão do Pacífico migra, às vezes, para o mar, no seu primeiro ano de vida. Os adultos ficam no mar durante dois ou três Invernos e, por vezes, apenas por um. Então, ainda como adolescentes, ou adultos retornam à água doce e reproduzem-se, depois de ocorrida a transformação das suas cores e outras características externas. Alguns salmões do Atlântico morrem na água doce, logo após a desova, outras espécies regressam ao mar.

Peixes catadrómicos
Os peixes catadrómicos passam grande parte da sua vida em água doce, migrando depois para o mar, onde se reproduzem. Como exemplo, temos a enguia do género Anguilla, contando-se 16 espécies, sendo as mais conhecidas, a enguia europeia (A. anguilla) e a enguia norte-americana (A. rostrata). Estas enguias desovam nas águas quentes e profundas (400 – 700 metros) do Atlântico numa área chamada Mar dos Sargassos. Os ovos são pelágicos e desenvolvem-se em leptocéfalos (larvas), que são transportadas pelas correntes do Golfo para as águas menos profundas das placas continentais. Quando atingem cerca de oito centímetros e cerca de 2 anos e meio, ocorre uma metamorfose e os leptocéfalos transformam-se em jovens enguias (meixão). Chegam à costa como juvenis (enguia-de-vidro) e iniciam a sua migração subindo as águas doces dos rios. É nestas águas doces que se vão desenvolver, transformando-se em enguias amarelas, e onde vão viver por 10 a 15 anos, antes de se voltarem a transformar em enguias cinzentas e de descerem o rio em direcção ao mar, regressando ao Mar dos Sargassos, a zona de desova, e de morrerem.

Peixes Oceanodrómicos
Estes peixes, os mais comuns nos oceanos, vivem e migram única e exclusivamente no mar. Distinguem-se uns dos outros apenas pelo método e extensão da sua migração.


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Offline LMagina

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Re: As migrações dos peixes
« Responder #1 em: 16:51 Quinta, 16 de Janeiro de 2014 »
Deveria falar agora sobre a reacção dos peixes a estímulos, mas deixo isso para outro tópico....


Orientação
É aqui de interesse definir o termo orientação com respeito ao fenómeno de migração, já que este pode ser confundido com outros tipos de movimentos, tais como, navegação e pilotagem ou homing.
Orientação refere-se ao movimento de um animal numa dada direcção mesmo sem a ajuda de pistas sensoriais emanadas da terra natal.
Pilotagem é o processo pelo qual o peixe encontra e reconhece o seu rio natal através de um estímulo sensorial directo, como a visão ou o olfacto. A pista sensorial emanada da terra natal pode fazer com que o peixe altere a sua direcção periodicamente durante o decurso da migração.
Navegação é o mecanismo pelo qual um animal encontra a direcção para um determinado local. Neste caso, o animal tem a capacidade de modificar a sua direcção para esse ponto no espaço, mesmo que tenha sido afastado para um local que não lhe é familiar.

Mecanismos de Orientação
O tipo de comportamento de orientação usado depende do habitat através do qual o peixe viaja, tal como, rios, lagos, estuários, zonas intertidais, mar aberto, da disponibilidade das pistas ou da fisiologia do peixe, de modo que diferentes "pistas" serão usadas em diferentes tempos da migração. No entanto, alguns mecanismos de orientação como, por exemplo, as respostas reotrópicas, são úteis em muitos e diferentes habitats.
É também importante ter em atenção que um dado parâmetro ambiental pode não só funcionar como uma pista mas também estimular uma resposta a outro parâmetro diferente.
De entre os parâmetros ambientais utilizados no mecanismo de orientação, pêlos peixes, podemos referir:
    - Factores celestiais;
    - Campos magnéticos;
    - Correntes;
    - Olfacto;
    - Visão;
    - Salinidade;
    - Temperatura;
    - Acção direccional da inércia;
    - Procura ao acaso;
    - Maximização do conforto.

Orientação solar
A possibilidade do uso da orientação solar pelo peixe foi descrita inicialmente por Hasler et al. (1958). Os peixes são capazes de utilizar os diferentes aspectos das várias mudanças que ocorrem durante o ciclo solar, desde que as condições para a observação destas seja favorável ao peixe. Os vários aspectos que podem ser detectados pelos peixes são:
    Azimute solar – variação do ângulo solar relativamente ao plano horizontal;
    Altitude – variação do ângulo solar no plano vertical.
A orientação através do sol implica, no entanto, que o peixe tenha certas capacidades, tais como:
    - ser capaz de medir o ângulo que o sol faz com o plano horizontal e vertical;
    - ter a capacidade de avaliar a taxa de alteração de tais ângulos;
    - ser capaz de reconhecer a hora do dia assim como a altura do ano, isto é, possuir um relógio biológico;
    - ter a capacidade para usar a informação disponível e calcular a direcção desejada.
O plano de polarização da luz solar pode também ser útil na orientação dos peixes. Estes podem usar a luz polarizada uma vez que os padrões de polarização da água são produzidos pela difusão primária da luz na água. Este factor de orientação é função do azimute solar, da altitude e da profundidade da água.
Embora a luz solar possa ser útil na orientação não implica que seja essencial (Oroot, 1965), de facto, os peixes podem orientar-se na ausência de luz como, por exemplo, em dias nublados, à noite ou após cegarem. Contrariamente, a demonstração de alguns mecanismos de orientação não exclui a orientação solar.

Orientação lunar
A lua pode constituir uma fonte de informações para os peixes no sentido da determinação da direcção a seguir. A presença da lua reforça a resposta de orientação, para pelo menos uma espécie de peixes. A utilização deste parâmetro implica, no entanto, que o animal possua um relógio biológico sintonizado para as diferentes fases do ciclo lunar.

Campos magnéticos
O uso de campos magnéticos tem sido referido já desde há várias décadas, mas só recentemente foram realizadas experiências relevantes nesse sentido.
Tipos de campos eléctricos que, eventualmente, podem ser detectados pelos peixes:
    - Campos criados pela passagem de correntes de água através do campo magnético da terra, e que são perpendiculares à direcção do fluxo de água;
(Um caso curioso é o da espécie Anguilla rostrata (Enguia Americana) que é capaz de exibir sensibilidade a campos eléctricos perpendiculares mas não a campos paralelos ao eixo principal do seu corpo (Branover et ai., 1971 ;Zimmerman and McCIeave, 1975)).

    - Campos produzidos pelo corpo do peixe à medida que este nada através do campo magnético da terra;
    - Campos eléctricos locais provocados pela topografia dos fundos;
    - Campos eléctricos regionais provocados por processos magnéticos.
De uma maneira geral, podemos classificar os peixes de acordo com a sua capacidade para emitir e receber sinais eléctricos:
    - Peixes activos – são aqueles que têm a capacidade tanto de produzir como de receber sinais eléctricos - exibem electrolocalização.
    - Peixes passivos – são aqueles que só recebem sinais através de electrorreceptores.
Os electrorreceptores, órgãos eléctricos, são músculos modificados, capazes de criar, à sua volta, um campo eléctrico. Assim, o peixe emite impulsos eléctricos, de frequência variável (0.1 a 1000 Hz), segundo as espécies e as circunstâncias, que qualquer obstáculo ou ser vivo próximo perturbam. Este sentido eléctrico permite não só detectar os obstáculos em meios muito lamacentos e escuros, mas também identificar as presas e procurar os parceiros sexuais ou estabelecer relações sociais.
O uso de um mecanismo de orientação magnético implica que o peixe possua um sistema sensorial apropriado. O modelo geral de detecção magnética, proposto por Abie (1980), consiste no seguinte:
    - indução de uma corrente mensurável quando um organismo se move através do campo magnético da terra;
    - algum tipo de material paramagnético que reaja a um campo magnético;
    - depósitos de materiais magnéticos no animal capazes de detectar o campo externo de alguma maneira.
Este argumento é reforçado pela descoberta de material magnético na cabeça e na linha lateral dos salmões e atuns (Thunnus albacares). O material consiste em magnetite (Fe3O4) de origem biológica. Estudos realizados indicam que os cristais estão organizados em cadeias com comprimento suficiente para agirem como detectores magnéticos. É, portanto, provável que esse material constitua o sistema sensorial para a detecção do campo geomagnético, já que é possível condicionar os atuns a discriminarem entre diferentes intensidades de campos magnéticos da Terra, embora não exista até agora nenhuma prova neurofisiológica de que estes peixes disponham de bússolas magnéticas que estejam coordenadas com a migração.

Correntes
Os peixes são capazes de tirar vantagens das correntes como sinais para a orientação uma vez que recebem estímulos visuais, tácteis ou inerciais do seu ambiente.
Podemos considerar vários tipos de correntes, interessantes para a migração. Temos, assim, correntes tidais e correntes oceânicas.
As correntes tidais, da plataforma continental, são a característica dominante da circulação. Estas correntes são produzidas por forças gravitacionais resultantes da atracção mútua da terra e lua e, em menor extensão, do sol. As marés e as correntes tidais são essencialmente determinantes e previsíveis, sendo os movimentos destas correntes mais marcados na plataforma continental do que no mar alto.
As correntes oceânicas podem ser de dois tipos, correntes superficiais, que são produzidas pelo vento e correntes de gradiente, que são correntes de profundidade, produzidas por gradientes de pressão nas massas de água circundantes. Estas águas são caracterizadas por termoclinas e frentes (gradientes verticais e horizontais de temperatura), assim como por ondas internas e externas.
O transporte passivo a longa distância, isto é, a migração passiva, depende geralmente das correntes oceânicas, não das tidais, tanto no alto mar como nas águas costeiras. Quando um peixe reage a uma corrente de água e está, em águas costeiras, responde a uma corrente tidal, que muda de direcção a cada 6 horas. No entanto, em mar alto, ele está a responder a uma corrente oceânica mais ou menos persistente e geralmente mais lenta.
Assim que uma corrente é detectada, (o que acontece se o peixe tiver qualquer contacto com um ponto de referência externo e fixo, ou, se isso não acontecer, desde que esteja envolvida uma aceleração, ou ainda, que o fluxo de água apresente qualquer turbulência à qual ele possa reagir), podem ocorrer três situações: o peixe pode orientar-se em direcção a essa corrente e nadar activamente a seu favor, nadar contra ou ainda ser transportado passivamente.
O uso das correntes no mar aberto é mais difícil de estabelecer. No entanto, os peixes são capazes de detectar as correntes através do sistema da linha lateral e outros órgãos, que em conjunto com outros meios, são capazes de fornecer informações úteis na orientação. Estas correntes apresentam um certo número de características, tais como:
    - turbulência;
    - diferenças de temperatura;
    - gradientes de salinidade;
    - variações de turbidez;
As quais podem fornecer aos peixes pistas ou pontos de referência visuais ou tácteis, tal como nos rios. A resposta de um peixe às correntes num ambiente ribeirinho depende não só da resposta inata, mas também das modificações protagonizadas por vários parâmetros ambientais. O reotropismo influencia os peixes a orientarem-se para a corrente, bem como a ajustar a velocidade de natação como resposta ao fluxo da corrente. As correntes tidais estão, pois, relacionadas com os movimentos dos animais, o que é evidenciado por algumas espécies como o salmão que, frequentemente, é transportado passivamente por estas, e outras vezes segue activamente o eixo da corrente tidal. Outras espécies parecem mesmo exibir um transporte tidal selectivo, particularmente a Enguia Europeia e o Sável Americano. Quando a corrente tidal está na fase de baixa-mar o peixe nada activamente contra ela e quando está na fase de praia-mar ele emerge do fundo e nada a favor da corrente ou é transportado passivamente por ela.
A resposta dos peixes às correntes em mar aberto é menos conhecida devido a dificuldades de estudo. Existem evidências que, por exemplo, a do Salmão do Pacífico Norte é activa, direccional e segue padrões de corrente.

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Re: As migrações dos peixes
« Responder #2 em: 16:51 Quinta, 16 de Janeiro de 2014 »
Olfacto
O uso de pistas olfactivas foi, provavelmente o primeiro mecanismo proposto para a migração dos peixes em direcção ao rio natal (Buckland.1880).
Os peixes, e particularmente os salmonídeos, são dotados de um órgão olfactivo que apesar de simples tem uma sensibilidade elevada; assim, mesmo que a fonte odorífera esteja muito distante, se algumas moléculas estabelecerem contacto com os seus receptores, poderão ser detectadas.
A "hipótese odorífera", defendida por vários autores, baseia-se no facto das características odoríferas do meio natal serem conferidas aos peixes. Estas características podem provir da comunidade vegetal, constituintes do solo, organismos aquáticos ou feromonas e são importantes por poderem ser detectadas e discriminadas pelos peixes, constituindo, deste modo, pistas que são utilizadas para estes se orientarem.
As plantas desempenham, assim, um papel importante na vida dos peixes, não só no que se refere à alimentação e abrigo, mas, também, pelo facto de conferirem propriedades aromáticas individuais à água.    A possibilidade das feromonas constituírem fontes odoríferas com interesse na orientação dos peixes é um facto recente; elas podem ser provenientes de várias fontes, tais como, muco da pele, conteúdo intestinal e fluido ovárico.
Hasler (1971) enumerou uma série de critérios a que um composto odorífero deve obedecer de modo a poder ser usado como estímulo:
    1. Deve permanecer inalterado durante tantos anos quantos o peixe se ausentou do seu rio ou meio natal;
    2. As mudanças de factores não devem ocorrer mais rapidamente do que a taxa de evolução de uma dada espécie;
    3. A ocorrência das substâncias na água não deve ser cíclica uma vez que um peixe pode regressar em diferentes alturas do ano;
    4. Os compostos devem ser específicos para uma dada espécie que regressa a uma determinada área, e não induzir na generalidade a migração de todas as espécies;
    5. Os factores devem permanecer detectáveis, mesmo que ocorram alterações físicas, químicas ou biológicas drásticas, enquanto o peixe se encontra no mar.
Em estudos realizados, utilizando técnicas de separação, foi possível definir estes factores como sendo orgânicos, inorgânicos, voláteis e não voláteis, resistentes ao calor, solúveis na água, ácidos, básicos e dialisáveis.
O implante artificial de diversos odores revelou-se um forte suporte da hipótese odorífera. Experiências realizadas com o salmão coho, em que se utilizaram compostos sintéticos, demonstraram que o peixe é capaz de reter e usar esta informação para encontrar o seu rio natal (Cooper and Hasler, 1976; Hasler, 1983). Com estas experiências foi demonstrado que o composto do implante não tem que ser necessariamente uma feromona ou mesmo um composto que ocorra naturalmente na natureza.
Os odores gravados constituem, portanto, estímulos para os peixes no sentido destes prosseguirem a migração, usando uma orientação e comportamento adequados.

Visão
O sentido da visão é importante para os comportamentos de agregação em cardumes, para o reconhecimento do rio natal, para a alimentação, mas também é importante na detecção de pistas ou marcas que possam ser utilizadas no processo de orientação dos peixes.
Existem evidências de que a fisiologia visual de algumas espécies se altera durante a migração e que diferentes factores endócrinos funcionam como mediadores para várias alterações visuais.
Os peixes possuem diferentes pigmentos visuais; a retina dos peixes de água doce contém porfiropsinas bem como os pigmentos visuais comuns enquanto que os peixes marinhos apresentam rodopsina e chysopsina. Assim, as espécies migrantes requerem alterações visuais durante o seu percurso de modo a optimizar a sua acuidade visual. Como exemplos de espécies em que ocorrem alterações dos pigmentos visuais durante a migração podemos referir:
    - A Enguia Atlântica apresenta alteração do pigmento retinal porfiropsina para o tipo chysopsina quando se prepara para a migração para o oceano (Cartisle and Denton, 1959);
    - O salmão do Pacífico apresenta um aumento na síntese de porfiropsina quando migra para a água doce (Beatty, 1966);
    - Durante a smoltificação os pigmentos visuais dos salmonídeos sofrem alterações no sentido da pré-adaptação ao ambiente marinho (Bridges e Delisle, 1974).
Os peixes não só exibem alterações nos pigmentos visuais como também apresentam alterações electrofisiológicas associadas às funções visuais, estas últimas relacionadas com a recepção e resposta a estímulos luminosos.
Os esteróides gonadais afectam a percepção visual (Hoar et al, 1952; Hara et al, 1965) e como são produzidos durante as migrações de desova, os efeitos destes no aumento da acuidade visual revela-se de extrema importância nas migrações rio acima e no reconhecimento do local natal ou da área de desova, através do auxílio de características ou pistas visuais.
As migrações no oceano podem também requerer contacto visual com o ambiente para uma migração bem sucedida. Neste caso, as marcas terrestres ou topográficas não têm qualquer valor mas as frentes oceânicas, sendo áreas onde ocorrem diferenças de temperatura, salinidade, correntes, bem como de turbidez e material orgânico, podem fornecer estímulos visuais importantes para o mecanismo de orientação.

Salinidade
A capacidade de um peixe detectar diferenças de salinidade da água pode ser um factor importante no mecanismo de orientação. Este parâmetro poderá ser útil na travessia estuarina ou no seguimento de diferentes frentes oceânicas, Fig.7. Existem evidências que o salmão do Pacífico consegue detectar diferenças na concentração do cloreto de sódio (Mclnemey, 1964). Embora a salinidade se altere durante o ano, o padrão geral é semelhante.
O desenvolvimento de um estado fisiológico apropriado a uma salinidade, juntamente com a capacidade para detectar pequenas variações de salinidade pode facilmente dar início à migração e orientação em direcção ao mar.
A preferência por uma dada salinidade está relacionada com as alterações fisiológicas que o peixe sofre e embora a resposta seja comportamental, a preferência por determinado teor de salinidade é baseada na percepção sensorial, através de parâmetros externos e internos. Os factores ambientais que iniciam tais alterações na preferência por diferentes salinidades parecem ser a temperatura e o fotoperíodo. O aumento do fotoperíodo parece estimular uma mudança nas preferências de salinidade em vários salmões do Pacífico (Baggemnan, 1959; Mclnemey, 1964; Otto and Mclnemey, 1970).

Temperatura
A temperatura é um dos mais importantes factores responsáveis pelo início das migrações, sendo também provável que afecte os peixes durante a migração.
Embora a temperatura seja uma informação de orientação directa para a migração, também afecta os peixes indirectamente providenciando fontes de alimento ou aumentando a velocidade de natação. O aumento da actividade metabólica, bem como da velocidade de natação ou natação prolongada, foi demonstrado para uma variedade de peixes, subindo as temperaturas até um máximo, a partir do qual há um declínio até valores térmicos tolerados (Beamish, 1978). Assim, a temperatura pode ser vista como um sinal que regula mecanismos internos que indirectamente afectam a orientação.
Não é provável que movimentos de migração de centenas de quilómetros sejam influenciados por Kineses, desenvolvidas como resposta a gradientes de temperatura encontrados em alto mar. Por outro lado, estes actuariam como sinais estimuladores, originando uma resposta directa a outros estímulos, como por exemplo, a orientação para uma corrente de água.

Acção direccional da Inércia
Foi postulado que os animais podem orientar-se através de um tipo de navegação inercial, isto é, exibem uma diferença, em graus, igual a zero após fazerem numerosas viragens para a esquerda e para a direita, o que implica que eles possam detectar, bem como integrar, todas as acelerações durante a sua migração (Bariow, 1964).
Esta forma de gula inercial baseada no labirinto do ouvido interno possibilitaria aos peixes, inclusivamente ao salmão, seguir padrões de ondulação no seu regresso aos rios europeus e a áreas de alimentação da Islândia. Tal sistema pode, também, ser o responsável pela capacidade dos peixes em manter uma direcção ou orientação consistente através da água durante muitas horas ou mesmo dias.

Procura ao acaso
Alguns parâmetros utilizados no estudo das migrações, tais como:
    - Velocidade média de natação;
    - Percentagem de indivíduos que atingem com sucesso o seu destino final;
    - Tempo necessário para completar a migração;
    - Grau de indecisão;
    - Precisão da direcção
Estes mesmos parâmetros têm possibilitado a construção de modelos matemáticos, alguns dos quais sugerem que o peixe encontra o seu habitat por busca ao acaso.
Existem também estudos, utilizando detecção ultra-sónica, efectuados com um grande número de espécies migradoras, que parecem apoiar a hipótese de busca ao acaso, indicando que os movimentos das espécies não estão orientados para um objectivo específico e também não são lineares parecendo ser movimentos ao acaso na natureza. Há, no entanto, que ter em conta dois factos nesta interpretação:
    - Os estudos efectuados limitam-se a observações durante um intervalo de tempo limitado e, portanto, não representam a totalidade da migração. Podem realmente existir ocasiões ao longo de uma migração, em que os movimentos são ao acaso e que poderão ser considerados “viagens à parte" da migração principal e constituir padrões de comportamento provocados pela actividade alimentar, actividade de aprendizagem, fuga a predadores, etc.
     - Os padrões de movimento podem parecer, de facto, ao acaso devido ao desconhecimento por parte do investigador das pistas utilizadas pelo peixe naquele momento.
O modelo proposto por Patten (1964) parece, no entanto, ser o mais apropriado e é o que mais tem em conta as interacções do peixe com o seu ambiente. Assim, durante fases particulares da migração o peixe usa pistas apropriadas para se orientar podendo mudar para um tipo de busca ao acaso de outra série de pistas de modo a continuar a etapa seguinte da sua jornada.

Maximização do conforto
Os peixes, segundo Balchen, mover-se-iam de local para local de modo a optimizar o seu "estado de conforto", isto é, de modo a optimizar a utilização dos recursos dos diversos habitats durante diferentes fases do seu ciclo de vida. A maximização do conforto pode ser considerada, por assim dizer, como uma procura inconsciente de um ambiente que melhor se adapte ao estado fisiológico de um peixe. À medida que o estado bioquímico e fisiológico do peixe se modifica durante o seu ciclo de vida, a procura de uma ambiente apropriado também se modificará. Assim, dependendo do estado fisiológico de um peixe, serão determinados no início da migração, as rotas seguidas e as pistas utilizadas. Há um certo número de factores que têm impacto na orientação em determinado momento da migração. Para este mecanismo funcionar é necessário que o animal escolha o ambiente apropriado e que tenha em conta um certo número de variáveis. O peixe pode tomar decisões inconscientes, em dados períodos do seu ciclo de vida, em relação ao ambiente desejado, tendo em conta vários factores:
    - Temperatura;
    - Salinidade;
    - Disponibilidade de alimento;
    - Oxigénio dissolvido;
    - Pistas de orientação específicas;
Este tipo de comportamento optimizado, pode ser uma explicação para a existência de períodos de movimentos com orientação dirigida, assim como para períodos em que o peixe parece mover-se ao acaso.


Obrigado pela leitura e paciência.

Cumprimentos,
LMagina
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Offline Rider

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Re: As migrações dos peixes
« Responder #3 em: 17:16 Quinta, 16 de Janeiro de 2014 »
Bem...
Estava a pensar inscrever-me em biologia, mas...já não preciso.
Obrigado pela partilha.
Espera o melhor, prepara-te para o pior e aceita o que vier.

Cumprimentos,
José Matos
 

Offline Ricardo Teixeira

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Re: As migrações dos peixes
« Responder #4 em: 19:57 Quinta, 16 de Janeiro de 2014 »
muito bom, muito util
obrigado pela bela partilha  ;D ;D
 

Offline Braga

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Re: As migrações dos peixes
« Responder #5 em: 19:59 Sexta, 17 de Janeiro de 2014 »
Boas

Mais um óptimo tópico e agradeço a partilha.

Neste também vou ler novamente.

Fiquem bem.

Braga
Comunguem deste ideal e divirtam-se neste Pesqueiro.
F. Braga
 

Offline kalvas

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Re: As migrações dos peixes
« Responder #6 em: 20:03 Sexta, 17 de Janeiro de 2014 »
Artigo bem completo.
Algumas coisas nem imaginava.

Agradecido pela partilha.
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Offline FilipePC

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Re: As migrações dos peixes
« Responder #7 em: 15:48 Sábado, 18 de Janeiro de 2014 »
Muito bom.
Homem Livre, gostaras sempre do mar...
 

 

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Iscos para rio por Zagaia [10:56 Terça, 14 de Maio de 2024]

nylon "normal" vs fluorcarbono por Xenas [20:58 Segunda, 13 de Maio de 2024]