Liberdade, Igualdade, Fraternidade

[jmet]

As três palavrinhas aqui do título são a consigna da Revolução Francesa, da qual, de algum modo, todos somos filhos.
E o que é que isto tem a ver com pesca? – Perguntarão vocês.
Alguma coisa. Alguma coisa... Como adiante veremos.

Passando por cima dos dois primeiros itens da consigna, que de alguma maneira temos e que estão (mais ou menos) garantidos, concentremo-nos no último: a Fraternidade.

Pois, meus amigos, aqui é que a porca torce o rabo.

Antigamente as pessoas realizavam-se essencialmente pelo trabalho. A vida era muito apertada. Mas a Fraternidade, pelo menos nas classes populares, era um facto. No trabalho e nas relações de vizinhança. Com as modificações ocorridas na sociedade, com o advento da sociedade de consumo e da ocupação dos tempos livres como tempos de lazer activo, as pessoas começaram a transferir a sua realização pessoal para estes tempos. E para outras ocupações que não as laborais e as relações de vizinhança. E a velha Fraternidade começou a decair muito, substituída por um feroz individualismo em todas as esferas da vida.

Nós, pescadores, sabemos bem isto. Dantes, a fraternidade entre nós era bem maior que actualmente. Agora, a maioria anda sobretudo empenhada em esconder informações que antigamente eram partilhadas. E anda mais preocupada em torpedear os companheiros de desporto ou de recreação do que em criar com eles um espírito de sã camaradagem – a tal Fraternidade.

Mas, caros companheiros, eu, que gosto de ser mensageiro de boas notícias, em verdade em verdade vos digo:

A Fraternidade ainda vive!

E vocês dirão: lá está este maluco a inventar coisas dificilmente descortináveis.

Pois muito bem. Então confiram...

No passado dia 12 de Agosto, eu e mais quatro almas saímos de Lisboa, rumo a Avis. Fomos encontrarmo-nos com um conhecido excelente pescador local, que tinha ligado a um de nós dizendo que estavam a sair uns achigãs de bom tamanho na Barragem do Maranhão.
Os meus companheiros, que tinham prevista uma deslocação ao Alqueva para esse dia, mudaram a agulha. E foi assim que às 7 da manhã, após umas bifanas no Afonso, em Mora, nos encontrámos, em Avis, com o nosso guia, digamos assim.

O nosso anfitrião, tratou de convocar um especialista na pesca ao achigã para assessorar três de nós. E ele, mais o meu amigo João e eu próprio, rumámos à Carapeta, para uma pescaria às carpas.

As pescarias, quer de achigãs quer de carpas, não foram nada de especial, pois o dia esteve muito ventoso.
Mas o melhor, meus amigos, foi o clima que “pintou” (como dizem os brasileiros). O nossos anfitriões fizeram tudo para que nos divertíssemos. E, como bons alentejanos, eram óptimos conversadores. Simpatia e camaradagem (em suma, Fraternidade) foram coisas que não faltaram ao longo das pescas.

Depois veio o almoço....

Debaixo de um volumoso chaparro, partilhámos bacalhau desfiado, salada, paio, pão alentejano, queijo de Niza, chouriço, melão, ameixas, maçãs, um tinto reserva da Herdade dos Muachos (grande pomada!) e um branco fresco também excelente, de cuja proveniência não me recordo. As conversas correram alegres e soltas.
Os cafés foram na casa do Benfica de Avis, culminados com fortes apertos de mão e estreitos abraços de despedida.

Durante o resto desse dia pairei num estado quase encantatório, pelo extraordinário ambiente humano vivido na Barragem do Maranhão. À noite, quando nos voltámos a juntar, no café, após o jantar, a conversa foi toda à volta do fantástico clima fraterno da jornada.

À noite, enquanto olhava, meio vidrado, uma chachada qualquer na televisão, os meus pensamentos giravam ainda em torno da terceira palavra da consigna da revolução francesa: A doce Fraternidade.

E foi então que...

E foi então que tive uma epifania.

Qual pesca, qual pescadores, qual quê...

Pus-me a juntar dois e dois e cheguei à conclusão que cinco dos sete compinchas do dia eram também caçadores. Aliás, o conhecimento do nosso companheiro Ribeiro com o excelente pescador de Avis tinha tido origem na caça, pois amigo de Avis é também um furioso amante do desporto de Santo Huberto.

E pus-me a cogitar em como são diferentes as relações entre pescadores e entre caçadores. Estes, tanto quanto me apercebo, partilham muito mais informações e são muito mais fraternos entre si que os discípulos piscícolas de S. Pedro.
E, depois, há a parte quase litúrgica da partilha da refeição. Um hábito constante na caça e muito menos usual na pesca. Sendo que esta partilha do “pão e do vinho”, cimenta relações, potencia amizades, estimula a Fraternidade.

Pois é, meus amigos. Em verdade em verdade vos digo:

A Fraternidade ainda existe.

Sobretudo entre os caçadores...

Nós, os simples pescadores, conseguimos vivenciá-la quando nos juntamos com aqueles de entre nós que, para alem de pescarem, também caçam.

[VF]

Gostei de ler! Obrigado pelo momento!

[Beto_Manja]

Boas,

Belo texto, gostei de ler...
Serão os caçadores mais "fraternos" ou serão apenas mais "gulosos"?!
Verdade seja dita, não sou caçador mas sou convidado várias vezes ao ano para me juntar a patuscadas desses meus amigos...
Sei também que faz parte de toda a jornada de caça nas reservas, o almoço convívio e isso também ajuda à tal fraternidade que os caracteriza.

[Nelson Peres]

A fraternidade ainda existe...seja na pesca, na caça, no ping pong ou na petanca !!! Podemos todos ajudar a que continue a existir...
Obrigado pela partilha

[João Pinto]

Gostei de ler, acho que existe fraternidade na pesca mas apenas se um pescador não "aparecer" muito, não falo de mim mas conheço um que assim que começou a receber umas amostras ficou sem amigos...

A inveja é lixada mas acho que isso não tem a ver com caçadores ou pescadores.

Os meus parabéns pelo excelente relato e pelo convivio

[ruisargo]

Uma bonita prosa evidenciando o companheirismo dos caçadores que tem o habito de fazer o repasto todos juntos e na mesma mesa, alimentando assim a barriga , a amizade e a fraternidade com os companheiros da caçada, sejam eles os seus camaradas ou não.
 Sendo eu pescador    e também caçador monteiro há mais de 30 anos, posso afirmar que essa analise  é correta, noto que particularmente nas montarias, o convívio ainda é maior, talvez por termos mais tempo para conversar no antes (pequeno almoço) e no depois (almoço ajantarado) das caçadas, onde é necessária a colaboração de todos para que tudo corra pelo melhor e em segurança. Na pesca é mais no estilo individual, onde cada um se desenrasca como pode e como sabe, as refeições são em cima do joelho, normalmente sandes e outras comidas ligeiras e não proporciona o tal ambiente de convívio de "barriga cheia" que é o melhor de todos.
 Devo também frisar que em qualquer dos desportos o convívio e a camaradagem existem sim, só que são bastante diferentes.

[De La Hoya]

Obrigado por mais uma partilha, achei piada a anologia entre os santos:)

[duas]

Aqui há tempos fui fazer um spinning para as rochas, quando cheguei ao pesqueiro fui surpreendido por um grupo de 4 pescadores, já entradotes, a pescar à bóia e a fazer um churrasco.

Enquanto uns pescavam o outro virava as febras e as entremeadas. Claro que aquilo estava a ser regado com um garrafão de vinho tinto de 5 litros, daqueles à antiga.

Os homens estavam mesmo felizes...

Fiquei a pensar... Porque não há mais pescadores a fazer o mesmo?

Abraço

[nelson sampaio]

realmente a pesca não e so tirar peixes, também e estar com aqueles que gostamos

[dpeneireiro]

Aqui há tempos fui fazer um spinning para as rochas, quando cheguei ao pesqueiro fui surpreendido por um grupo de 4 pescadores, já entradotes, a pescar à bóia e a fazer um churrasco.

Enquanto uns pescavam o outro virava as febras e as entremeadas. Claro que aquilo estava a ser regado com um garrafão de vinho tinto de 5 litros, daqueles à antiga.

Os homens estavam mesmo felizes...

Fiquei a pensar... Porque não há mais pescadores a fazer o mesmo?

Abraço

Ai podes crer que há... anda ai um grupo de doidos varridos que sempre que saca uma morcelinha da água têm que dar com ela nas brasas... é certinho como o alho. Até hei-de ter por ai umas fotos que tenho de procurar... e tenho também de fazer uns vídeos da luta que essas desgraçadas dão (claro que nunca com a qualidade dos do JoãoPinto que muito gosto de ver). Não sei sé é pela forma (de chouriço com cordel) se porquê, mas o que é certo é que sempre que uma sai é uma alegria... uma dessas, ou uma costoletinha de capado. São sempre bem regadas com um tinto ou umas minis. Geralmente quando vou, seja com essa malta ou com o meu companheiro mais regular de pesca há sempre patuscada, nem que sejam uns rissolitos. E chega sempre para mais um ou dois que vamos conhecendo pelo caminho.
Como eu sempre disse: pescar não é apenas apanhar peixe.  (aliás para mim quase nunca é apanhar peixe  ).

E ainda te posso dar mais uma prova: os convívios do pesqueiro. Infelizmente nunca fui a nenhum, fui apenas ao 1º workshop aos ciprinídeos do sitio, mas leio os relatos todos de fio a pavio e vejo as fotos... posso-te garantir que há ali muita fraternidade. E roo-me sempre por não ter podido ir... esta vida é lixada.

[amaromar]

Obrigado pela partilha.

 

boas pescarias >º((((><