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Autor Tópico: História do achigã parte 4  (Lida 1784 vezes)

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Offline Marco Santos

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História do achigã parte 4
« em: 00:06 Quinta, 17 de Julho de 2014 »
Da análise dos dados apresentados vários factos saltam à vista. Todas as classes apresentam preferência por algum tipo de estrutura, já que utilizam em muito menor proporção do que a disponível área sem estrutura. Por exemplo, os juvenis nunca são vistos em zonas sem estrutura apesar desta representar 38% da área disponível na albufeira. Os adultos, apesar de tudo, parecem ser menos "agarradinhos" à estrutura, já que a diferença entre Uti e Dispo para o habitat sem estrutura é de – 19 (contra os –38 dos juvenis). De todos os tipos de estrutura disponível os juvenis pareceram preferir claramente a vegetação aquática (S = +14), utilizando o resto dos habitats em proporções muito próximas da sua disponibilidade. Em relação aos exemplares adultos que não estão em postura o panorama mantem-se mais ou menos inalterado, aumentando ainda mais a preferência pela vegetação aquática S= +20.

Os achigãs na postura apresentaram alterações claras na sua utilização do habitat. Os troncos submersos horizontais passaram então a ser os habitats preferidos, S = +39, reduzindo-se a preferência pela vegetação aquática e aumentando a repulsa por zonas sem estrutura, S = -32.

Entre outras coisas este trabalho veio confirmar vários aspectos do comportamento do achigã apreendidos desde há muitos anos pela experiência dos pescadores desportivos. Nomeadamente a preferência por habitats com estrutura, com a vegetação aquática à cabeça das preferências, e a alteração do tipo de estrutura utilizado com a idade do achigã, em particular com o período de desova, em que os troncos horizontais submersos passam a ter grande atractividade.

Bibliografia
Annet, C., Hunt, J. e Dibble, E.D. (1996). The compleat bass: habitat use patterns of all stages of the life cycle of largemouth bass. Em: Multidimensional Approaches to Reservoir Fisheries Management (Miranda, L.E. e DeVries, D.R., editores): páginas 306-314. American Fisheries Society Symposium 16

Crescimento do Achigã

Esta faceta de bioecologia nesta espécie é determinante na sua pesca desportiva e na sua gestão, sendo teoricamente desejável que a maior parte dos achigãs de uma albufeira cresçam depressa e bem, por forma a atingirem grandes dimensões (apreciadas para captura desportiva) no menor espaço de tempo possível.

O crescimento dos peixes processa-se de uma forma diferente do humano. Enquanto o homem cresce até um máximo potencial estabelecido pela sua estrutura genética e pára nessa altura geralmente no fim da adolescência), os peixes nunca param de crescer ao longo da sua vida. No entanto, o achigã não cresce sempre com igual intensidade, apresentando um crescimento acelerado nos primeiros anos de vida (na sua fase juvenil) e mais reduzido na sua maioridade/velhice.

Factores de crescimento

De entre os vários factores que condicionam e influenciam o crescimento do achigã são de destacar, como mais importantes:

1. Temperatura da água

(em relação directa com o período de crescimento - o período de crescimento é definido como o número de dias num ano em que a água apresenta temperaturas superiores a 1Oº C). O achigã, como animal de sangue frio que é, tem a sua actividade* dependente da temperatura da água onde vive. Para temperaturas da água abaixo de 100º C (mais ou menos) a sua actividade é bastante reduzida e o crescimento é nulo. A pouca comida que consome serve apenas para se manter vivo e á espera de melhores condições. O crescimento inicia-se a partir desta temperatura e é crescente com o aquecer da água, sendo máximo para temperaturas superiores a 250ºC. A partir deste factor de crescimento fácilmente se percebe porque os achigãs do Sul dos E.U.A. têm um crescimento médio superior ao dos seus irmãos do Norte. Por exemplo, o período de crescimento americano pode ser variável entre três meses (no estado do Wisconsin, Norte dos E.U.A.) até dez ou mais meses na Califórnia e Florida.
No entanto, este factor de crescimento não é o único determinante dos maiores/ menores crescimentos registados numa albufeira em particular. Duas albufeiras com períodos de crescimento similares podem apresentar achigãs com crescimentos muito diferentes se forem distintas em relação aos segundo e terceiro factores de crescimento - o alimento disponível e a origem genética.

2. Alimento disponível.

Com o aquecimento da água, a possibilidade do achigã crescer mais depressa aumenta desde que o alimento disponível aumente também. Caçando a 100ºC uma presa esporadicamente tem, à medida que a água aquece, de consumir multo mais alimento para se manter vivo e crescer (um achigã consome três vezes mais alimento a 200º C que a 100º C).






3. Origem genética.

Finalmente, de entre os principais factores condicionadores do crescimento, temos a origem genética dos exemplares. O achigã, possuindo uma área de distribuição nativa tão extensa, apresenta populações melhor adaptadas geneticamente a diferentes condições. Esta adaptação genética é representada no extremo pelas duas subespécies existentes: a subespécie do Norte e a subespécie do Sul (o conhecido Floridanus) . O Floridanus está adaptado a climas mais quentes (maiores períodos de crescimento), conseguindo, nestas situações, grandes crescimentos e tamanhos médios. Por outro lado, a subespécie do Norte, ao contrário da do Sul, está bem adaptada a pequenos períodos de crescimento.

4. Variabilidade no crescimento

O crescimento nos peixes é mais moldável que o humano. Se o homem, na sua fase de crescimento, não estimular o seu desenvolvimento (alimentando-se bem, fazendo exercício físico, mantendo-se globalmente saudável, etc.) pode sofrer danos irreversíveis, ficando, para sempre, com dimensões (altura e peso) abaixo das máximas que podia atingir em função dos seus genes. Pelo contrário, se as condições do meio onde os peixes vivem forem adversas (se não houver, por exemplo, alimento suficiente), estes podem parar o seu crescimento durante algum tempo e retomar depois, na presença de melhores condições, um crescimento normal ou até anormalmente rápido. Pelo que foi referido até aqui, pode-se entender agora por que o crescimento do achigã pode ser tão variável de zona para zona (Norte/Sul), de albufeira para albufeira e até, de ano para ano; um achigã, ao fim do seu primeiro ano de vida, pode ter dimensões tão diferentes como 5cm ou 35cm.

E em Portugal, como é?

Como já se disse, em termos gerais o crescimento do achigã no Norte é menor que no Sul. No nosso país o crescimento deverá ser diferente entre os achigãs do Norte do país" (por exemplo de albufeiras como Castelo do Bode/Cabril/ Salamonde/Caniçada) e os do Sul (por exemplo de Santa Clara). Em Portugal, até hoje, apenas se determinou o crescimento do achigã em albufeiras do Sul do país - Pego do Altar, Santa Clara, Pego de Magos e Pego de Vale Cobrão -, tendo-se obtido os valores que se podem observar no Quadro 1.







Como se vê a partir dos valores apresentados, o crescimento pode-se considerar globalmente igual nas quatro albufeiras. Estes crescimentos são muito bons a nível mundial, sendo superiores ao crescimento médio norte-americano e comparáveis aos de algumas zonas do Sul dos Estados Unidos como se pode ver no Quadro 2.









Comprimentos médios atingidos pelo achigã (em cm) ao fim de 1, 2, 3 e 4 anos em vários sistemas (lagos e albufeiras) no seu continente de origem e em Portugal.

Longevidade

A longevidade do achigã é variável, sendo maior no Norte e menos no Sul. O metabolismo mais rápido dos peixes do Sul leva-os a viver mais depressa e a morrerem (de causas naturais, bem entendido) mais depressa também.

O mais velho capturado até ao momento tinha 24 anos e foi pescado num estado do Norte dos E.U.A. (New York). Esta idade é, no entanto, pouco representativa das idades atingidas normalmente pelo achigã. A maior parte das populações de achigã contém exemplares de seis e sete anos de idade, sendo peixes mais velhos (9,10 e mais anos) uma raridade em qualquer sistema. Nos trabalhos realizados no Sul de Portugal não foram capturados exemplares com mais de seis anos de idade, o que se pode considerar normal em função da temperatura média e período de crescimento desta zona. No Centro e Norte da Península Ibérica, em trabalhos realizados em Espanha, conseguiram-se capturar achigãs mais velhos, com dez e onze anos. As fêmeas têm uma vida mais longa que os machos, sendo os exemplares mais velhos de determinada albufeira todos do sexo feminino.

Peso máximo

O maior achigã capturado de que há registo pesava um pouco mais de dez quilos e foi pescado em 1932 por George Perry. O peso máximo atingido pelos achigãs não apresenta relação directa com a longevidade, ou seja, os maiores exemplares não são geralmente os mais velhos. Na maior parte das vezes os maiores exemplares capturados são os de crescimento rápido e portanto os de menor longevidade. O exemplar mais velho capturado, a que se fez referência em cima, não era, apesar dos seus vetustos 24 aninhos, um grande exemplar, pesando apenas três quilos.
Pode-se considerar que em Portugal são relativamente comuns achigãs entre os dois e os três quilos, raros entre os três e os quatro e muito raros, os com mais de quatro quilos. Como é sabido, os achigãs que hoje temos em Portugal são descendentes de reprodutores importados em 1952 de França e dos quais se desconhece a origem genética, nomeadamente de que zona dos E.U.A. foram inicialmente importados para França. E muito natural que as potencialidades de crescimento para esta espécie não estejam no nosso país maximizadas.


Crescimento e gestão

O conhecimento do crescimento do achigã em sistemas que se pretendam gerir é fundamental. O ordenamento de albufeiras no Centro e Norte de Portugal deverá ter em conta que o crescimento poderá** ser menor que no Sul, implicando diferentes estratégias na gestão da espécie. E que, se um exemplar de um quilo pescado por um pescador em Santa Clara demorará quatro anos a ser reposto por outro, no Cabril deverá demorar bastante mais.

Síntese do que se disse

- Aumento claro da actividade/crescimento do achigã com a temperatura.
O aumento da actividade resulta num aumento do ritmo alimentar e potencialmente numa maior agressividade ao atacar amostras.
- Albufeiras no Sul de Portugal apresentam uma maior capacidade para repor os exemplares capturados.
Albufeiras do Norte/Centro necessitam, para manter boas populações de achigã, de medidas de gestão diferentes e mais restritivas que as do Sul.
- Albufeiras do Sul têm uma maior probabilidade de originar grandes exemplares.
- Potencialmente, poder-se-á reintroduzir variedades de achigã melhor adaptadas aos nossos períodos de crescimento.
- A longevidade do Achigã parece ser maior no Norte que no Sul.
O achigã mais velho que se conhece, com 24 anos, foi recentemente capturado em New York.
Em Espanha foram capturados exemplares com onze anos de Idade (no Centro e Norte) e em Portugal com seis (em albufeiras do Sul).
- Cada albufeira deve ser gerida individualmente, tendo-se em atenção o crescimento do achigã nesse sistema.
_______________________________________ _
* A actividade desenvolvida por um peixe engloba tudo o que ele faz durante a sua vida, ou seja: caçar, reproduzir-se, fugir, deslocar-se, etc.
** Nunca foi determinado o crescimento do achigã em albufeiras do Centro e Norte do país.



O meu muito Obrigado ao João Miguel Costa por este texto que guardo religiosamente .
Obrigado mano pelo ok da partilha.

Espero que desfrutem.
Não tenho medo de morrer!
Tenho medo é de chegar ao céu e não ter espaço para pescar.
 
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Offline Tavares Baptista

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Re: História do achigã parte 4
« Responder #1 em: 13:13 Quinta, 17 de Julho de 2014 »
Muito obrigado pela partilha.... :)

É a "Biblia do Achigã" com excelentes dados e estatísticas...um artigo muito bom para quem gosta de pescar
ao Achigã e fazer Cacth and Release.
Ilha do Farol....onde o peixe nasce e o Homem se torna pescador.
 

Offline Rui Oliveira

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Re: História do achigã parte 4
« Responder #2 em: 20:37 Quinta, 17 de Julho de 2014 »
 :aplau:

obrigado pela partilha!

quem gosta de pescar achigã deve mesmo ler este artigo! :D

quem não gosta de pescar achigã (é porque nunca pescou nenhum... ::)), deve ler na mesma!

Pescar é muito mais que tirar peixes da água!! ;D
 

 

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