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Autor Tópico: A festa da pesca  (Lida 944 vezes)

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Offline jmet

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A festa da pesca
« em: 21:41 Quarta, 12 de Março de 2014 »
 

- E, depois, vínhamos por aí a cima, parando nas casas dos parentes, para lhes oferecermos parte dos barbos e das bogas que apanhávamos. E os parentes retribuíam. Para além de lá petiscarmos, davam-nos chouriços, um bocado de presunto, figos, uma garrafa de aguardente, enfim, o que tivessem disponível. De maneira que aquilo era uma alegria, uma festa. E quando chegávamos a casa a festa era ainda maior. A tua avó e os teus tios e tias, ainda mais pequenos que eu, rodeavam-nos logo para verem o que trazíamos.

Assim falava o meu pai para um miúdo hipnotizado e deslumbrado com aquelas aventuras da pesca, passadas entre vales e serras à beira Zêzere, no concelho da Pampilhosa da Serra, em zonas depois dominadas pela Barragem do Cabril.

- Oh pai e como foi quando o avô Manuel foi apanhado?
- Ficou tudo em águas de bacalhau. Aquilo por lá era tudo primos e primas. O teu avô esteve umas horas no posto e depois soltaram-no. Estivemos uns tempos sem ir ao rio, mas depois, voltou tudo ao mesmo.
- Oh pai e como é que pescavam? Era logo à bomba?
- Não. Primeiro largávamos a rede e, depois, o teu avô ia a nadar até junto das pedras e dos buracos onde sabia que estavam os peixes. E, aí, agitava o embude embrulhado numas varas de trovisco para os peixes saírem e ficarem atordoados. Nos dias em que a pesca dessa maneira não resultava, então é que mandava uma bomba num dos poços do rio. Depois tinha que mergulhar para ir buscar os peixes maiores, pois esses afundavam.

E nas noites de Inverno, sem televisão, regularmente eu pedia ao meu pai que voltasse a contar aquelas aventuras de quando ele ainda era menino, mais o meu avô que já não conheci. E ele lá repetia a história, acrescentando um pormenor aqui, uma descrição mais pormenorizada ali, ao mesmo tempo que os seus olhos se iluminavam com a memória de um tempo duro mas feliz da sua infância. Porém, demasiado curto. Aos 10 anos deixara a serra e os vales, mais a instrução primária incompleta, para iniciar a vida de trabalho numa das tascas de Lisboa.

Eu imaginava os poços do rio, as correntes, os peixes a saltarem e os regressos penosos, serra acima. Mas o que mais me encantava era a festa. O encontro com os parentes, a partilha, as ofertas mútuas. Enfim, um processo de troca, com a parte mercantil sublimada pela alegria dos reencontros, das novas das respectivas famílias, da breve refeição conjunta, dos abraços das despedidas.

Outras vezes, quando o meu pai não estava com disposição para rememorar pescarias, voltava-me para a minha mãe.

- Oh mãe, e quando o avô João ia pesca, como era?
Mais seca, sem o entusiasmo e sem o poder de comunicação e o sentido épico do meu pai, ela lá contava, com parcimónia, as aventuras do meu avô, no litoral da Lourinhã.
- Era de noite. Ele tinha uma lancha a meias com o ti Zé Platino e, quando o mar estava manso, no Verão, saíam para ir à pesca do safio.
- E depois?
- E, depois, como não havia frigoríficos, convidava a irmã, os cunhados e alguns primos para irem lá a casa comerem os safios cozidos, com batatas.
- E era uma festa, mãe?
- Sim, mais ou menos… Era…
- E ia aos polvos, também, como o tio António.
- Não sei. Isso já não me lembro. Vai mas é lavar a cara e os dentes, para ires para cama, que está na hora.

E eu lá ia, sabendo tinha garantidos sonhos com fabulosas pescarias de barbos e bogas, em vales profundos entre montanhas, ou com fantásticas lutas com safios gigantes, no meio do mar calmo, em noites de Agosto.

E estava eu muito entretido da vida com estes pensamentos quando tocaram à porta.

- Olá vizinho, venho trazer-lhe um salpicão e um queijo que me chegaram hoje da terra.
- Oh, D. Prazeres, por amor de Deus, então o que é isso… Bem sabe que não estou à espera de nada.
- Ora essa, então você todas as semanas vai lá acima, ao segundo andar, dar-me peixe e eu não havia de lhe trazer um miminho quando me chega uma encomenda lá terra!?... E olhe que quero-os lá em cima, na sexta à noite, que eu vou assar no forno aqueles sargos que me deu. A D. Manuela e a D. Clara também vão lá estar. E não leve vinho, que a D. Manuela recebeu umas garrafas lá do Alentejo.

Pois é, meus amigos. A pesca pode ser mesmo uma festa.

 

Offline De La Hoya

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Re: A festa da pesca
« Responder #1 em: 12:09 Quinta, 13 de Março de 2014 »
Não pode ser...a pesca é uma festa  :fixe: :fixe: :fixe:
“Deus ao mar o perigo e o abismo deu,mas nele é que espelhou o céu” - (Fernando Pessoa)
 

Offline Nelson Peres

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Re: A festa da pesca
« Responder #2 em: 15:04 Quinta, 13 de Março de 2014 »
Noutros tempo era assim...Obrigado pela partilha. Gostei de ler
Nelson Peres
 

 

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